Dia da consciência negra: os dados do IBGE e a busca pelo ideal igualitário

Diversos jornais divulgaram recentemente pesquisa do IBGE com o dado de que a população negra (pretos e pardos) passou a formar a maioria dos estudantes na rede pública do ensino superior, no percentual de 50,3%. Circunstância a ser comemorada, sem dúvidas, mas que deve ser avaliada em conjunto com outras informações omitidas por boa parte da imprensa.

O dado divulgado tem origem no estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça e consta em dois informativos publicados pelo IBGE, que podem ser acessados aqui:

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/4e0d6489049f2329584cd5e61350d192.pdf

Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que a população negra representa 55,8% da população brasileira. Portanto, ainda que alcançada a maioria no ensino superior (50,3%), esse universo de pessoas permanece subrepresentado dentro das universidades. Isso indica que as políticas de acesso ao ensino superior, que fomentam o ingresso dos negros, têm trazido resultado positivo, mas ainda não atingiram a equalização na proporção de negros e brancos neste ambiente.

Porém, este breve texto tem o intuito de chamar a atenção para o fato de que os já mencionados informativos do IBGE trazem uma enxurrada de muitos outros elementos que não podem ser ignorados, que devem ser lidos e interpretados/avaliados em conjunto, e que também mereceriam ampla divulgação.

Não há como relacionar todos eles, cada um com carga de importância inegável, mas, pelo receio de que, vista isoladamente, a informação sobre a representatividade no ensino público superior possa equivocadamente levar à conclusão de que se está perto de atingir o objetivo igualitário, enumeram-se alguns dos demais dados para comprovar que há ainda um longo caminho a ser percorrido para se atingir a igualdade racial idealizada:

MP 927 – Impactos nas atividades do profissional da saúde

A Medida Provisória n. 927/2020 foi editada pelo Poder Executivo Federal sob o argumento de que havia a necessidade de adoção de medidas para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus (covid-19).  

Algumas das novidades implementadas por essa MP impactam diretamente as atividades e rotinas dos trabalhadores da área da saúde.

A primeira delas consta no art. 7º, o qual permite ao empregador que suspenda, de forma unilateral, as férias ou licenças dos profissionais da área de saúde ou daqueles que desempenhem funções essenciais, mediante comunicação formal da decisão ao trabalhador. Essa decisão, segundo a medida, deverá ser comunicada ao profissional por escrito ou por meio eletrônico, preferencialmente com antecedência de quarenta e oito horas. 

Veja-se que é notório que o Brasil e o mundo estão diante de uma situação excepcional, que exige a adoção de medidas igualmente excepcionais. No entanto, qualquer inovação na lei deverá respeitar direitos mínimos pré-estabelecidos. Assim, a regra de convocação do trabalhador que se encontra afastado em razão de férias e licenças deve, por óbvio, observar a razoabilidade e também garantir que essa convocação não traga nenhum prejuízo ao empregado, conforme previsão constante no art. 468 da CLT.

Nesta linha de raciocínio, existem as mais variadas situações em que o trabalhador, ainda que da área da saúde, não poderá ser obrigado a retornar ao trabalho. Apenas para trazer um exemplo, as escolas estão fechadas neste período de isolamento social, obrigando as crianças a permanecerem em casa, o que muda por completo a rotina doméstica das famílias, obrigando muitos pais a ficarem mais tempo em casa para cuidar dos seus filhos.

Fato é que a convocação para trabalhar deve respeitar a razoabilidade e não pode trazer prejuízos aos empregados da área da saúde. Quando se fala em prejuízo, não se está restringindo ao aspecto financeiro, mas também ao prejuízo social e familiar, como no exemplo mencionado. 

O art. 15 da MP 927, por sua vez, inova ao determinar que, durante o estado de calamidade pública que foi decretado, fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares. 

O mesmo dispositivo prevê a realização desses exames no prazo de sessenta dias, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública. Como o decreto legislativo declara o estado de calamidade com efeitos até 31 de dezembro de 2020, significa dizer que, se até o final do ano ainda estivermos sob estado de calamidade, os exames poderão ser postergados pelas empresas para fevereiro de 2021. 

Segundo a MP, as exceções a essa regra de suspensão seriam os exames demissionais e os exames cuja prorrogação possa representar risco para a saúde do empregado. 

Prevenir é a melhor estratégia

No Brasil, a cada minuto, um trabalhador ou trabalhadora sofre um acidente durante o exercício de suas funções. Os mais recentes dados da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia registram quase 577 mil acidentes de trabalho apenas no mercado formal. Se incluída nesta conta toda a massa de trabalhadores informais e autônomos, estima-se que o número possa ser até sete vezes maior, aproximando-se de 4 milhões de acidentados todos os anos; isso sem levar em conta as subnotificações.

Descumprimento e flexibilização de normas de segurança e saúde do trabalho por parte das empresas estão entre as razões desse volume estratosférico. A deficiência no treinamento dos trabalhadores e a falta de condições estruturais satisfatórias para uma fiscalização mais efetiva e abrangente também ajudam a compor o triste resultado.

Além do evidente dano à saúde do trabalhador, o acidente de trabalho é um péssimo negócio para a economia. As empresas têm de arcar com indenizações por danos morais, materiais e estéticos. A Previdência Social é onerada com a obrigação de pagar benefícios ao trabalhador e aos seus sucessores. Estudos apontam que os gastos podem superar a cifra de R$ 70 bilhões ao ano. 

Diante desse cenário, figura a prevenção como a principal estratégia para a diminuição do número de acidentes de trabalho, por meio do treinamento e utilização de equipamentos de proteção coletiva e de proteção individual. No dia 27 de julho, dia Mundial de Prevenção de Acidentes do Trabalho, impõe-se reforçar a ideia de que o direito à saúde e o direito à vida não podem ser flexibilizados. E lembrar que prevenir é sempre mais inteligente do que gastar em indenizações. 

* Alexandre Corrêa da Cruz é Desembargador do TRT da 4ª Região e gestor regional do Programa Trabalho Seguro